sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Feliz Natal

Caros Leitores,

Desejo a todos um FELIZ NATAL e um ótimo 2009.

Sei que estou meio sumido do blog, mas no próximo ano prometo voltar com novos poemas, entrevistas e ensaios.

um abraço,
Lucas

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Entrevista: Carlos Pittella

Está publicada no site ARMADILHA POÉTICA uma entrevista que fiz com o poeta e ativista ambiental Carlos Pittella.

Vale a pena conferir.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Confissão

sou o som solto:
muito pouco
do que sinto
sigo

mas tenho meus trilhos
para o trem do corpo:
para os outros
sempre o mesmo apito

a mim mesmo
engana a garganta
a lenta locomotiva inventa:
agora existo

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Desleitura Barreana

A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem
a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos

(Manoel de Barros)



Apaixonar-se consiste em desarrumar os desejos
a ponto que eles expressem nossa mais profunda linguagem

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Anderson Fonseca: Alucinação

Papai quando me olha vê em mim crisântemos,
Flores de Auschwitz, flores de Alcatraz, flores de Waterloo,
flores de Guantánamo, flores libanesas, flores de lis,
Dos olhos saem bromélias,
Violetas penduradas nos cílios,
Os seios lacrimejando orquídeas,
Na boca, papai garante, brotam arnicas e raízes,
Jasmins crescem nos joelhos,
Os ouvidos escutam girassóis,
As unhas transformam-se em narcisos, espelhos claros em que me contemplo,
Papai, de vez em quando, tira lírios dos meus cabelos conta os trevos das minhas mãos e cultiva begônias
e lisianto no meu cérebro, e no dia-a-dia lança sementes de flamingo nos meus sonhos,
É terrível admirar as dálias que caem dos narizes imergindo em copos-de-leite que são os bicos dos seios,
Ainda mais saber, que papai fez os meus pés na infância se tornarem gardênias de um quarto negro,
Hoje ele planta campanélas no meu fígado
E tulipas contornam o pescoço
Espalharam sobre meu corpo rosas de alucinação tantas e tantas flores sobre a pele que não consigo contá-las
As abelhas pousam em minhas rosas e recolhem néctar dos delírios, papai diz que a fonte que no meu intimo flui irá um dia esgotar, mas de onde vem a chuva que molha o jardim multicolorido, que agricultor tão nobre a conserva com cuidado?
Sei que quando chegar a hora do galo as flores desbotarão e meu pai não irá mais regá-las a esta hora as palavras estarão secas e fenecidas e sobre a lápide escrito o nome do botânico,


de Anderson Fonseca, in Escritos do Exílio,
htt://escritosdo-exilio.blogspot.com, 2007.

domingo, 17 de agosto de 2008

o poeta partiu
ninguém sabe quando
volta, ou você
saberia?
não, não me diga
quero gozar a breve
liberdade como quem
faz travessura

eu, que sempre durmo
sob os viadutos
que tenho vivido
a fome, que nunca tive
com que brincar
tomarei a pena emprestada
apenas enquanto
o poeta não chega
não, não o chame
façamos disso nosso
pequeno segredo

enquanto estiver sol
nos divertiremos atirando
páginas ao vento
e vendo
o verso
quebrar-
se
(depois escreveremos outros)
e quando o sol
também houver partido
me abrigarei
do frio entre
as linhas
e talvez exista também
espaço
pra você

então sonharemos juntos
uma última vez
e dividiremos a mesma
pena
enquanto houver tempo
porque o poeta partiu

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

De volta

Caros amigos,

Estive sem tempo de postar por um período, mas em breve voltarei à atividade plena!

um abraço,
lucas

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Manoel de Barros: a morte do Lara

Do Diário de Bugrinha (excertos).

29.2

Hoje o Lara morreu picado de cobra. Fizeram seu caixão de costaneiras. Meu avô encostou no caixão. Ué, eu que morri e quem está no caixão é o Lara! Meu avô enxergava mal.


de Manoel de Barros, in Livro Sobre Nada, Rio de Janeiro, Editora Record, 1996.

terça-feira, 29 de julho de 2008

16 Poetas Exilados

O blog "Escritos do Exílio", do poeta Anderson Fonseca, publicou alguns de meus poemas em uma coletânea de 16 autores recentes. A seleção conta ainda com Roberto Bozzetti, Leandro Jardim e Beatriz Bajo, entre outros nomes.

Vale a pena conferir.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Bukowski: Garota de mini-saia lendo a Bíblia em frente à minha janela

Mais uma tradução de um poema de Charles Bukowski.



Garota de mini-saia lendo a Bíblia em frente à minha janela

Domingo, estou comendo uma
laranja, a missa terminou na Igreja Ortodoxa
Russa do outro
lado da rua.

ela é morena
de ascendencia oriental
grandes olhos castanhos levantam-se, e voltam à Bíblia
novamente. é vermelha e preta
a Bíblia, e, enquanto ela lê,
suas pernas mexem, mexem
ela executa uma dança lenta e ritmada
lendo a Bíblia...

longos brincos de ouro
2 pulseiras de ouro em cada braço
e aquilo é um mini-vestido, eu acho
o tecido abraça seu corpo
o bronzeado mais suave naquele tecido
ela gira pra cá, e pra lá,
longas pernas amarelas sob o sol...

não há como escapar de sua existência
não há o desejo de escapar...

meu rádio toca música sinfônica
que ela não pode ouvir
mas seus movimentos coincidem exatamente
com o ritmo da
sinfonia...

ela é morena, ela é morena
e lê sobre Deus.
Eu sou Deus.



Girl in a miniskirt reading the Bible outside my window

Sunday, I am eating a
grapefruit, church is over at the Russian
Orthadox to the
west.

she is dark
of Eastern descent,
large brown eyes look up from the Bible
then down. a small red and black
Bible, and as she reads
her legs keep moving, moving,
she is doing a slow rythmic dance
reading the Bible. . .

long gold earrings;
2 gold bracelets on each arm,
and it's a mini-suit, I suppose,
the cloth hugs her body,
the lightest of tans is that cloth,
she twists this way and that,
long yellow legs warm in the sun. . .

there is no escaping her being
there is no desire to. . .

my radio is playing symphonic music
that she cannot hear
but her movements coincide exactly
to the rythms of the
symphony. . .

she is dark, she is dark
she is reading about God.
I am God.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Mário de Andrade: Rito do Irmão Pequeno (VI)

VI


Chora, irmão pequeno, chora
Porque chegou o momento da dor.
A própria dor é uma felicidade...

Escuta as árvores fazendo a tempestade berrar.
Valoriza contigo bem esses instantes
Em que a dor, o sofrimento, feito vento,
São conseqüências perfeitas
Das nossas razões verdes,
Da exatidão misteriosíssima do ser.

Chora, irmão pequeno, chora
Cumpre a tua dor, exerce o rito da agonia
Porque cumprir a dor é também cumprir o seu próprio destino:

É chegar àquela coincidência vegetal
Em que as árvores fazem a tempestade berrar.
Como elementos da criação, exatamente.



Gilda de Mello e Souza (org.), Os Melhores Poemas de Mário de Andrade, Editora Global, São Paulo, 2003.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Charles Bukowski: O Pássaro azul

Tradução minha para o poema "The Bluebird" de Bukowski.


o pássaro azul

há um pássaro azul no meu peito que
quer sair
mas eu sou duro demais pra ele
eu digo, fica aí, não vou
deixar ninguém te
ver
há um pássaro azul no meu peito que
quer sair
mas eu meto uísque nele e dou um
trago no meu cigarro
e as putas e os garçons
e os balconistas dos mercados
nunca percebem que
ele está
aqui dentro

há um pássaro azul no meu peito que
quer sair
mas eu sou duro demais pra ele
eu digo,
fica quieto, você quer zoar
comigo?
quer ferrar com meu
trabalho?
quer acabar com a venda dos meus livros na
Europa?

há um pássaro azul no meu peito que
quer sair
mas eu sou esperto demais, só o deixo sair
à noite, às vezes
enquanto todo mundo está dormindo
eu digo, eu sei que você está aí
não fique
chateado
então o ponho de volta
mas ele canta um pouco
aqui dentro, não o deixei realmente
morrer
e dormimos juntos
assim
no nosso
pacto secreto
e isso é o bastante pra
fazer um homem
chorar, mas eu não
choro, você
chora?




the bluebird

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say, stay in there, I'm not going
to let anybody see
you.
there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I pur whiskey on him and inhale
cigarette smoke
and the whores and the bartenders
and the grocery clerks
never know that
he's
in there.

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say,
stay down, do you want to mess
me up?
you want to screw up the
works?
you want to blow my book sales in
Europe?
there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too clever, I only let him out
at night sometimes
when everybody's asleep.
I say, I know that you're there,
so don't be
sad.
then I put him back,
but he's singing a little
in there, I haven't quite let him
die
and we sleep together like
that
with our
secret pact
and it's nice enough to
make a man
weep, but I don't
weep, do
you?


C. Bukowski in The Last Night of the Earth Poems. Santa Rosa CA: Black Sparrow, 1992.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Calor

calor



você busca
e se ofusca no sol

caminha tanto
e se encanta com cada farol

de cada olhar
e o mar, e o mar, e o mar

agita a areia
se deita satisfeita

esquece os calos
dos pés cansados

o sal no cabelo
e o segredo fatal

de quem te olha
e se cala no gole

de desejo guardado
gelado na coca-cola




Lucas Nicolato in Promessas Provisórias, inédito.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Roberto Bozzetti:AB ISTMO

AB



a honra que me orna inútil
numa compota de vermes.
o lábil flébil
trêmulo temor nas mãos
as volutas volúveis das mãos
baboseiras de canto de boca
nem um som
            só um gemido
o sonar captou:
a equipe de resgate apurou
os ouvidos para a omissão.
apurado: eles são
eu não, eles vão
eu vão
fútil lusco-
fusco ilusão



                                           ISTMO

De Roberto Bozzeti in A tal Chama, o tal Fogo, Oficina Raquel, Rio de Janeiro, 2008.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Da Canção como Sereia (micro-ensaio inspirado no show Maré, de Adriana Calcanhotto)



"Talvez por estar entre o primeiro e o terceiro é que ele tenha ficado tão entre a mulher e o peixe, entre a palavra e o emaranhamento quântico, entre a linguagem e o indizível. Ou entre Ferreira Gullar e Cazuza, entre Augusto de Campos e Dorival Caymmi, entre Cicero e Waly."
Adriana Calcanhotto, sobre seu novo disco, Maré.


Toda forma de arte que tem como suporte o tempo, como a música ou o romance, tende a apoiar-se em uma série de elementos que se revezam nas funções de continuidade - mantendo-se quase inalterados por um período - e de ruptura - propondo caminhos e ritmos inovadores. Há sempre uma tensão entre uma corrente que segue e outra que quer voltar, entre um tema e suas inúmeras variações. Não é sem motivo que o arquétipo do marujo, do herói que parte ao mar e regressa, é tão recorrente, desde Homero até Caymmi.

A canção, ser híbrido de letra e música, apresenta, além dessa tensão comum, uma outra mais fundamental. Nela, a oposição se dá já, a cada instante, no nível formal, entre a palavra e a melodia. Há na canção uma precariedade intrínseca, fundadora de sua multiplicidade semântica. É incapaz de limitar-se ao sentido das frases que enuncia ou das melodias que entoa - diz sempre mais que a letra ou a música separadas. Não é consegue apoiar-se em funções específicas dadas ao som e à palavra. Está essencialmente destinada ao excesso. A canção é - para mantermos as metáforas marítimas - uma sereia, fusão mitológica entre a mulher a fera marinha. Sempre sobra um rabo de peixe na perfeição de seu corpo feminino. Tal quimera, no entanto, embora incapaz da normalidade, antes de ser monstro temível, torna-se a sedutora dona de um encanto elemental, primitivo, irresistível. Da mesma forma, a canção não conseguindo se estabelecer na normalidade da fala cotidiana, a transcende, e atinge o nível de uma fala além da fala, mágica, ritualística, ancestral, que não comunica propriamente, mas envolve o ouvinte em algo que, não sendo reconhecível em si mesmo, ecoa significações profundamente enraizadas no espírito. Paradoxalmente, a canção é capaz de soar ao mesmo tempo estranha, surpreendente - como toda beleza é estranha e surpreendente - e perfeitamente natural, mais natural do que a fala, que não possui essa estranheza esteticamente reveladora. Justamente o equilíbrio, a economia do que é excessivo e estranho é que a torna perfeitamente assimilável, convincente, quase transparente.

Adriana Calcanhotto, em seu mais recente show, nos mostra exatamente isso: a natureza híbrida da sereia-canção. Sabe equilibrar-se entre uma altivez risonha e a seriade aproximadora, a precisão milimétrica das execuções das músicas, do figurino, dos movimentos e a espontaneidade, a surpresa nos sucessos consagrados e a assinatura reconhecível nas novas composições. Talvez pela consciência clara da natureza da canção, pela intimidade de longa data com o paradoxo que liga o que há de econômico e exessivo nessa arte, é que Adriana consegue unir elementos tão díspares e, ao mesmo tempo, alcançar criações que são clara e reconhecivelmente canções e, mais do que isso, canções lindas.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Música Parada

música parada


ficava assim
parado na chuva
que nunca parava
dentro de mim

eu me pergunto
se ela leva
tudo que pesa
ou poeira, enfim

não há resposta
só a pisada leve
de quem vai-se
embora sem notar

o ônibus, que tanto
demora, também chega
e parte mundo afora
e o mundo é uma esfera
que espera
a girar

a chuva passa
meus pés me levam pelas
poças que espelham o céu
mesmo que o meu
coração não possa
nunca mais trabalhar


Lucas Nicolato in Promessas Provisórias, inédito.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Adriana Bebiano: a língua escande o nada no escuro

a língua escande o nada no escuro


Ensandeceu
porque quis dar um nome
a todos os dias da sua vida.



1.


à porta da casa e da rua
Luna não sabe nem de uma
nem de outra
o nome
todo o lugar é rua todo
casa

2.


do tempo nada
sabe a hora do caixote marcada
pelo decreto das entranhas
não há horas
inconvenientes no relógio dela – quando
há visitas ou quando alguém morre
no meio
da conferência do cientista do centro

4.


ataques de imodéstia apenas dizem
que está em toda a parte em aconchego
no caixote à lareira qualquer canto
é casa
se te enroscas fechas um dos olhos
deixas
que a tua sombra coincida
contigo

5.


só a sombra dorme – ela
encosta-se à sombra com os pés de lã
sem o nome a saída
de emergência é apenas a entrada
para o possível

6.


escolhe a catástrofe –
não sabe
se estão abertos ou fechados
os olhos

7.


o abismo é um hábito – tira-o
da algibeira
quando bate o vício
da vertigem.


De Adriana Bebiano na Revista Confraria do Vento, número 16, Editora Confraria do Vento, 2007.

terça-feira, 17 de junho de 2008

A Arte do Poeta

A arte do poeta

para Antonio Cicero



escrever um poema é ser assaltado
e manter o sangue frio

ou fazê-lo ferver, borbulhar e correr
nas frias treliças metálicas
do concreto armado

escrever um poema é costurar
gotas
de suor ou lágrimas
tecer longa colcha de ondas
sobre sonhos profundos

ou subir na espiral dos sons
de uma escada cujos degraus
são as notas de uma canção oca
e ascender
através das nuvens evaporadas
rumo ao sol
ao céu
ao nada



Lucas Nicolato, in Promessas Provisórias, inédito.