quinta-feira, 31 de julho de 2008

Manoel de Barros: a morte do Lara

Do Diário de Bugrinha (excertos).

29.2

Hoje o Lara morreu picado de cobra. Fizeram seu caixão de costaneiras. Meu avô encostou no caixão. Ué, eu que morri e quem está no caixão é o Lara! Meu avô enxergava mal.


de Manoel de Barros, in Livro Sobre Nada, Rio de Janeiro, Editora Record, 1996.

terça-feira, 29 de julho de 2008

16 Poetas Exilados

O blog "Escritos do Exílio", do poeta Anderson Fonseca, publicou alguns de meus poemas em uma coletânea de 16 autores recentes. A seleção conta ainda com Roberto Bozzetti, Leandro Jardim e Beatriz Bajo, entre outros nomes.

Vale a pena conferir.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Bukowski: Garota de mini-saia lendo a Bíblia em frente à minha janela

Mais uma tradução de um poema de Charles Bukowski.



Garota de mini-saia lendo a Bíblia em frente à minha janela

Domingo, estou comendo uma
laranja, a missa terminou na Igreja Ortodoxa
Russa do outro
lado da rua.

ela é morena
de ascendencia oriental
grandes olhos castanhos levantam-se, e voltam à Bíblia
novamente. é vermelha e preta
a Bíblia, e, enquanto ela lê,
suas pernas mexem, mexem
ela executa uma dança lenta e ritmada
lendo a Bíblia...

longos brincos de ouro
2 pulseiras de ouro em cada braço
e aquilo é um mini-vestido, eu acho
o tecido abraça seu corpo
o bronzeado mais suave naquele tecido
ela gira pra cá, e pra lá,
longas pernas amarelas sob o sol...

não há como escapar de sua existência
não há o desejo de escapar...

meu rádio toca música sinfônica
que ela não pode ouvir
mas seus movimentos coincidem exatamente
com o ritmo da
sinfonia...

ela é morena, ela é morena
e lê sobre Deus.
Eu sou Deus.



Girl in a miniskirt reading the Bible outside my window

Sunday, I am eating a
grapefruit, church is over at the Russian
Orthadox to the
west.

she is dark
of Eastern descent,
large brown eyes look up from the Bible
then down. a small red and black
Bible, and as she reads
her legs keep moving, moving,
she is doing a slow rythmic dance
reading the Bible. . .

long gold earrings;
2 gold bracelets on each arm,
and it's a mini-suit, I suppose,
the cloth hugs her body,
the lightest of tans is that cloth,
she twists this way and that,
long yellow legs warm in the sun. . .

there is no escaping her being
there is no desire to. . .

my radio is playing symphonic music
that she cannot hear
but her movements coincide exactly
to the rythms of the
symphony. . .

she is dark, she is dark
she is reading about God.
I am God.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Mário de Andrade: Rito do Irmão Pequeno (VI)

VI


Chora, irmão pequeno, chora
Porque chegou o momento da dor.
A própria dor é uma felicidade...

Escuta as árvores fazendo a tempestade berrar.
Valoriza contigo bem esses instantes
Em que a dor, o sofrimento, feito vento,
São conseqüências perfeitas
Das nossas razões verdes,
Da exatidão misteriosíssima do ser.

Chora, irmão pequeno, chora
Cumpre a tua dor, exerce o rito da agonia
Porque cumprir a dor é também cumprir o seu próprio destino:

É chegar àquela coincidência vegetal
Em que as árvores fazem a tempestade berrar.
Como elementos da criação, exatamente.



Gilda de Mello e Souza (org.), Os Melhores Poemas de Mário de Andrade, Editora Global, São Paulo, 2003.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Charles Bukowski: O Pássaro azul

Tradução minha para o poema "The Bluebird" de Bukowski.


o pássaro azul

há um pássaro azul no meu peito que
quer sair
mas eu sou duro demais pra ele
eu digo, fica aí, não vou
deixar ninguém te
ver
há um pássaro azul no meu peito que
quer sair
mas eu meto uísque nele e dou um
trago no meu cigarro
e as putas e os garçons
e os balconistas dos mercados
nunca percebem que
ele está
aqui dentro

há um pássaro azul no meu peito que
quer sair
mas eu sou duro demais pra ele
eu digo,
fica quieto, você quer zoar
comigo?
quer ferrar com meu
trabalho?
quer acabar com a venda dos meus livros na
Europa?

há um pássaro azul no meu peito que
quer sair
mas eu sou esperto demais, só o deixo sair
à noite, às vezes
enquanto todo mundo está dormindo
eu digo, eu sei que você está aí
não fique
chateado
então o ponho de volta
mas ele canta um pouco
aqui dentro, não o deixei realmente
morrer
e dormimos juntos
assim
no nosso
pacto secreto
e isso é o bastante pra
fazer um homem
chorar, mas eu não
choro, você
chora?




the bluebird

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say, stay in there, I'm not going
to let anybody see
you.
there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I pur whiskey on him and inhale
cigarette smoke
and the whores and the bartenders
and the grocery clerks
never know that
he's
in there.

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say,
stay down, do you want to mess
me up?
you want to screw up the
works?
you want to blow my book sales in
Europe?
there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too clever, I only let him out
at night sometimes
when everybody's asleep.
I say, I know that you're there,
so don't be
sad.
then I put him back,
but he's singing a little
in there, I haven't quite let him
die
and we sleep together like
that
with our
secret pact
and it's nice enough to
make a man
weep, but I don't
weep, do
you?


C. Bukowski in The Last Night of the Earth Poems. Santa Rosa CA: Black Sparrow, 1992.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Calor

calor



você busca
e se ofusca no sol

caminha tanto
e se encanta com cada farol

de cada olhar
e o mar, e o mar, e o mar

agita a areia
se deita satisfeita

esquece os calos
dos pés cansados

o sal no cabelo
e o segredo fatal

de quem te olha
e se cala no gole

de desejo guardado
gelado na coca-cola




Lucas Nicolato in Promessas Provisórias, inédito.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Roberto Bozzetti:AB ISTMO

AB



a honra que me orna inútil
numa compota de vermes.
o lábil flébil
trêmulo temor nas mãos
as volutas volúveis das mãos
baboseiras de canto de boca
nem um som
            só um gemido
o sonar captou:
a equipe de resgate apurou
os ouvidos para a omissão.
apurado: eles são
eu não, eles vão
eu vão
fútil lusco-
fusco ilusão



                                           ISTMO

De Roberto Bozzeti in A tal Chama, o tal Fogo, Oficina Raquel, Rio de Janeiro, 2008.